sábado, 26 de março de 2011

A mim...


                                              Voa até minha noite
                                                               a alma da bruxa

quinta-feira, 17 de março de 2011

Não. Não vou defender Khadafi...


Mas também não vou entrar nessa onda histérica contra o cara, que poderia se justificar, caso quem está por trás dela fosse, pelo menos, confiável.

Não que eu ache Kadhafi um santo. Longe disso. Embora eu já o tenha admirado por vários motivos, não descarto a possibilidade dele ser um ditador e/ou de ser uma pessoa cruel.

Mas cuidado com esses gestos nobres da ONU e das potências ocidentais. Querem ver? Vamos dar uma historiadinha básica...

Guerra do Golfo

Lembram? Foi uma guerra contra uma figura desprezível, sim, Saddam Hussein. Mas não custa lembrar que, antes, Saddam era amiguinho dos EUA, que davam força pra ele, para que controlasse os mujahedim da região e protegesse o petróleo contra rivais do Tio Sam. Inclusive, na guerra do Iraque contra o Irã (guerra sangrentíssima, de ambos os lados) os Estados Unidos apoiaram o Iraque e Saddam Hussein. Mas a gente fica na dúvida: qual era o verdadeiro Saddam? Aquele “bravo líder”, aliado dos estadunideses no Oriente Médio, ou o ditador sanguinário que eles mandaram enforcar alguns anos mais tarde?

Depois, aí sim, veio a Guerra do Golfo. Saddam Hussein, por cruel e ditadorial que fosse (e aparentemente era mesmo), tinha suas razões para invadir o Kwait. Na época, Hussein começava a trocar o sistema de petrodólares pelo de petroeuros, o que piorou a situação dele junto aos EUA – inimigos fraternos da então nascente União Européia - que já vinham fritando o cara e colocando de lado a velha amizade. A invasão foi justamente pelo Kwait apoiar os EUA, interferindo nos preços do petróleo, pra esvaziar Saddam. Isto equivale a uma declaração de guerra. Fora o fato de que o Iraque sempre reivindicou o Kwait como parte de seu território. Segundo essa versão, o Kwait, assim como o Líbano, seria uma invenção do Ocidente.

Duvidosa vitória

Finda a Guerra do Golfo, ficou a idéia de que os EUA Unidos haviam vencido, o que foi questionado por intelectuais dos próprios EUA, como Timothy Leary, por exemplo, que – entrevistado por Marília Gabriela, quando de sua visita ao Brasil, ainda nos anos 1990 – escutou dela uma pergunta que incluía a afirmação “tendo os Estados Unidos ganho a Guerra do Golfo”, e respondeu à minha atônita colega: — Mas quem te disse que meu país ganhou a guerra? Os Estados Unidos ganharam uma guerra contra o Iraque sim, só que foi a guerra da informação, a guerra da mídia.



Aisha, filha de Khadafi:
“Digo aos líbios e líbias de quem gosto
e que gostam de mim,
que resisto nesta casa”


Mas, ainda sobre a Guerra do Golfo, não é difícil lembrarmos daqueles garotos, pilotos dos caças e bombardeiros estadunidenses, que vinham super-empolgados dos bombardeios sobre o Iraque, tendo colocado em prática o que já vinham aprendendo desde crianças (porque adolescentes eles ainda eram), nos videogames. Voltaram curtindo, como quem ganha um jogo, já que a guerra atual é “limpa”, você não olha nos olhos do inimigo, enquanto tenta enfiar nele a espada ou a lança, como ocorria no passado. É uma guerra sem culpa. Para aqueles meninos, era como vencer num game.

Às acusações internacionais, de que os moleques e, conseqüentemente, os EUA haviam bombardeado civis, inclusive hospitais, onde já havia feridos de guerra (muitos deles crianças), respondeu-se que não. Que os EUA tinham excelência tecnológica, que os seus mísseis eram de “precisão cirúrgica” (acho que eram os “Patriot”, não estou certo), e que só foram utilizados em alvos militares e/ou estratégicos. E que mesmo que houvesse hospitais e outras instituições civis do lado dos alvos militares, eles não haviam sido e não seriam atingidos, exatamente pela “precisão cirúrgica” das bombas aéreas americanas.

Depois de dois anos, não se falava mais em Guerra do Golfo. O assunto não interessava mais nem à mídia, nem à opinião pública. Mas foi aproximadamente nessa mesma época (por volta de dois anos após o fim da Guerra), que saiu nos jornais uma notinha (eu mesmo li), mas uma notinha assim, pequetitinha mesmo, num cantinho da página, que noticiava terem sido aqueles mísseis de “precisão cirúrgica”, utilizados na Guerra do Golfo, na verdade um material em teste, pela indústria bélica dos EUA, e que havia sido considerado um fracasso tecnológico… E foi só. Não se tocou mais no assunto.


Há pouco tempo, chefes de estado de vários países
tentaram cair nas graças de Khadafi.
Ele não era mais o terrível terrorista


Então, embora a maioria das pessoas não tenha se dado conta dessa matéria (não era à toa que era pequenina, num cantinho esquecido qualquer da editoria internacional), o que ficou patente é que os EUA aproveitaram a guerra contra o Iraque para fazer do país atacado um campo de provas para seus mísseis, que acabaram ficando muito abaixo das expectativas e fracassaram. Assim como os mísseis Patriot eram o cocô do cavalo do bandido, tudo indica, claro, que civis e hospitais foram bombardeados SIM. Mas adivinha o que ficou na memória da opinião pública internacional, que vê TV e lê jornais, que se acha, por isto, tão informada e descolada, mas que só se lembra mesmo do capítulo de ontem da novela e do show politicamente correto do U-2?...

A queda do Iraque

Mais recentemente, como todo mundo sabe, os EUA invadiram o Iraque, com o pretexto de procurar por armas de destruição em massa, que Saddam teria e não queria entregar à ONU, armas proibidas pela Convenção de Genebra. Capturaram Saddam Hussein (que posteriormente foi executado) e ocuparam o país, recebidos como salvadores pelo povo iraquiano. Mas hoje esses salvadores não saem mais do Iraque e são simplesmente odiados pelo mesmo povo que Hussein oprimia e que os recebeu tão entusiasticamente.


O chamado "mundo livre"
consegue, finalmente, tirar Saddam do caminho
de seus campos de petróleo


O engraçado (se não fosse trágico) é que, da mesma forma que o desmentido microscópico sobre os milagrosos mísseis americanos, uma outra nota foi publicada na mídia, também sem grande destaque, dando conta de que as famosas e temidas armas de destruição em massa de Saddam Hussein jamais existiram. Foram invenção de um determinado opositor de Saddam, para forçar o Ocidente a depô-lo. O próprio inventor do boato, da falsa denúncia, foi quem confessou isto à imprensa internacional, e o fez alegremente, sem reprimendas da parte de quem quer que fosse, justificando a mentira pela “necessidade” de tirar Saddam Hussein do poder. E a seríssima ONU organizou visitas ao Iraque, em busca das tais armas, baseada unicamente num boato. Pode um negócio desses?

As “revoltas populares” do norte da África

Agora, como peças de dominó, começa a cair, sob supostas revoluções populares, uma série de países árabes, até chegar à Líbia do coronel Khadafi, a quem se quer depor pelo menos desde o governo Reagan, nos anos 80 do século passado. Naquelas tentativas, valeu tudo. Até acusar Khadafi de qualquer atentado terrorista, praticado em qualquer parte do mundo, como o da discoteca na Alemanha Ocidental, freqüentada por soldados americanos, mesmo que, depois de se bombardear a Líbia, matando-se muitas pessoas - dentre elas pelo menos uma criança, Hannah, filha de Khadafi - tenha-se admitido não haver evidências de que o atentado tenha sido realmente obra do líder árabe.

Incrível como, agora, de uns meses pra cá, tudo aconteça tão certinho. Como os “levantes populares” dão-se em seqüência, de forma tão organizada. Organizada como não são, como jamais foram os povos daquela região, que se dividem em tribos rivais dentro de seus próprios países, com diferenças seculares entre si, e mais ainda em relação a outras nações. Essas e outras coisas curiosas precisavam fazer a gente pensar pelo menos um pouco, antes de sair assinando, revoltados, petições para isso ou aquilo.


Khadafi na época da tomada do poder, e Khadafi hoje


Não lhes parece curioso, por exemplo, que Osni Mubarak, do Egito, tenha sido por tanto tempo mimado pelo Ocidente, que o chamava de "Presidente Mubarak", mesmo estando ele havia tanto tempo no poder, e que agora, de repente, a mídia do mundo inteiro tenha passado a chamá-lo de "ditador do Egito", assim sem mais nem menos?

Não lhes parece também curioso, que o Irã - tão democrático quanto o salto do meu sapato - esteja "dando força" e elogiando a "resistência dos povos contra opressores", logo ele, Irã, que sempre odiou Kadhafi e sempre, desde o início da pretensa "revolução" islâmica, tem oprimido o seu próprio povo, enforcado homossexuais, fuzilado mujahedins e mulheres em luta pelos seus direitos, e apedrejado adúlteros supostos ou reais?

Não lhes parece curioso, ainda, que esses povos, de forma tão "espontânea", tenham se sublevado pela democracia, inclusive na Líbia, e, de repente, a mídia esteja dizendo que os "cidadãos comuns" conseguiram uniformes e armas, tudo isto pela ação de desertores do antigo regime? Não lhes parece estranho a mídia, num momento dizendo que é o homem comum, o povão, que está se sublevando, e no momento seguinte citar o nome desta ou daquela cidade como "a sede do comando rebelde"? Não lhes parece estranho que tantos deles usem o barrete afegão?...



A guarda pessoal de Khadafi,
composta exclusivamente de mulheres
(EPA - Mike Nelson)


Não vou defender Kadhafi, embora eu já o tenha admirado em alguns aspectos. Por sua capacidade de liderança que derrubou o rei Idris, fantoche do Ocidente, e cujos abusos ninguém do lado de cá do mundo via com maus olhos, por motivos óbvios. Pelo seu extraordinário Livro Verde – tratado político, econômico e social, que prima pela democracia direta, enquanto denuncia que “toda representação é uma impostura”. Por sua pertença à nobre tradição sufi – no caso a Ordem Sanusi, em seu ramo mais libertário, que renega até os mestres tão comuns no sufismo ortodoxo, e prega que o fiel deve ser iniciado por sua própria consciência e mais ninguém... Não, não vou defender Khadafi. Quem me garante que ele não traiu a espiritualidade sufi? Quem pode me afirmar que ele realmente cumpriu, na prática, o que ele próprio pregava no Livro Verde? O que me assegura que ele é totalmente inocente de tudo que o Ocidente o tem acusado já há tanto tempo? Já há muito que aprendi a reconhecer os homens não por suas intenções, mas por suas ações concretas. Não. Não vou vou defender Kadhafi.


O discutido Livro Verde, de Khadafi:
base teórica - política, social e econômica -
da 'República das Massas', preconizada
pelo líder Líbio


Apenas me nego a acreditar automaticamente nos “mocinhos” deste filme. Se não ponho a mão no fogo por alguém que até há pouco tempo admirava, porque o faria por aqueles em quem nunca sequer confiei? Já viu, né? Os EUA estão armando os rebeldes, contra Muammar Khadafi, da mesma forma que armaram os guerrilheiros e mercernários afegãos, e Osama Bin Laden, contra os soviéticos, e o Hamas, contra a Fatah e a OLP. Vejam o que sobrou, como monstruosos e bastardos filhos desses casamentos.

O que tem por trás disso é barra-pesadíssima, e isto vai ficar claro a médio prazo.

Nós já perdemos o direito à inocência, amiguinhos.

Ou então... sei lá, esqueçam...