domingo, 13 de setembro de 2009

Relaxe e seja gentil

A flor da ameixeira,
símbolo máximo do Clã Moy Yat
“Relaxe e seja gentil”, disse o Grão-Mestre Moy Yat, líder máximo da linhagem Moy, de Ving Tsun Kuen (Punhos da Canção em Louvor à Primavera), a uma platéia atônita, em um congresso de artes marciais, no ano de 1990, em São Paulo.

O espanto dos congressistas explica-se facilmente. O Ving Tsun Kuen é um sistema extremamente sofisticado de boxe chinês. Considerado uma das melhores formas de aplicação das artes marciais aos combates reais, é conhecido, em Hong Kong e na comunidade chinesa de Nova Iorque, como uma arte poderosa e rápida, boa para lutar e matar. Moy Yat, hoje falecido, via com desgosto essas definições. Para ele, o sistema pode ser realmente letal, mas é muito mais do que isto. “Ele é simples, gentil e tranqüilo”, dizia Moy.

A aparente contradição das palavras de Moy Yat pode nos esclarecer alguma coisa sobre este refinamento do espírito, que conhecemos e exercemos tão pouco: a gentileza. Normalmente compreendida como mero reflexo de educação esmerada, e freqüentemente confundida com fraqueza, ela é, em sua vocação mais profunda, manifestação de grandeza interior e maturidade consciencial. Na lógica do Ving Tsun, a violência é inversamente proporcional à eficácia. É gentilmente, portanto, que o boxeador do Ving Tsun resolve os conflitos. A verdadeira gentileza é aquela que existe no indivíduo como uma segunda natureza. Portanto, não é apenas nos momentos de paz e facilidade que ela pode dar o ar de sua graça. Aí pode prosperar também a falsa gentileza. Aquela letra morta, nascida como reles regra social, até certo ponto válida, mas, em essência, fria, vazia e sem vida.

Da mesma forma que o praticante do Ving Tsun resolve os conflitos com serenidade e combate relaxado e gentil — sua melhor vitória sendo quando ele não tem de lutar — nós mesmos, em nossa vida diária, podemos desenvolver mais a gentileza nos momentos difíceis, que é quando ela é realmente testada e pode demonstrar a sua autenticidade e sua real natureza. Ser gentil quando não apenas queremos agradar, ou conquistar, proteger, ou mesmo impressionar, mas nos momentos em que discordamos do outro, ou, de alguma outra forma, estamos em oposição e até em conflito em relação a ele, pode ser um sinal de que já conseguimos não apenas estar gentis, mas, sobretudo, ser gentis de coração.

Ser gentil, então — se considerarmos as sábias palavras de Moy Yat — é estar relaxado, descontraído e deixar o coração agir em direção ao outro, sob a égide da inteligência. Ser gentil, portanto, é ser inteligente, amoroso, mas, ao mesmo tempo, forte, determinado e, em algum nível, sábio. A gentileza é mais do que mera formalidade. É o amor verdadeiro que fala. Sem comiseração, sem frágil sentimentalismo. Mas com o sopro de espírito, autêntico e transformador, que fala de alma a alma, diretamente, numa promessa, ou, pelo menos, no anúncio da possibilidade de um dia chegarmos a ser realmente humanos por inteiro.

6 comentários:

  1. Muito bom mesmo.

    Reflexões como essas me lembram o quanto o ser humano comum é miserável.
    E o quanto sábios parecem tão "pequenos" ou "insignificantes" de alguma maneira.
    Afinal quem se interessa por assuntos e ideologias belas como essas só as conhece ao acaso, e depois tem de correr atrás delas por conta própria.

    Antes eu gostava disso. Mas começo a me perguntar o porquê, já que as gerações passam, os Gandhis, Gentilezas e Cristos da vida passam, os ensinamentos dos mais famosos são replicados, mas nada na realidade parece mudar...
    Isso faz com que as boas qualidades, filosofias e ideologias virem apenas um prêmio pessoal a ser levado pro caixão...
    Por que isso? Porque no fim das contas nessa existência carnal o que faz diferença mesmo é o dinheiro, é o desejo, a genética, os instintos, o de reprodução e sobrevivência, e sentir a distração do entretenimento pra não sentir nossa vida em vão passar...
    No final, nunca escaparemos da nossa própria carne, pois até o fim da vida é isso o que somos. E por isso que o resto do mundo parece mais sábio em não desperdiçar suas vidas levando gente como agente a sério...
    Basta conhecermos as centenas e milhares de anos da História Humana e o jornal de cada dia pra percebermos que por mais que se lute eles sempre dominam tudo e nós levamos nosso prêmio pro caixão...
    Só na Bíblia existe a história de um final feliz, depois do apocalipse, mas quem acreditaria se não tivesse o próprio Deus sendo o governante na história?
    E pra cada morte de um valioso homem de bem que tenha caminhado muito pra se aperfeiçoar, nascem mais uns mil ignorantes ou com o capeta na cabeça.
    Nem mesmo hoje em dia o filho de Deus conseguiria espaço aqui...

    Se tiver filosofia forte contra isso então estou há anos esperando para ouvi-lo...

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  2. Meu caro Leandro,

    Acredite: não há um remédio, um produto pronto, que a gente aplique para curar a desilução dos amigos.

    Se há aqueles que passam uma forma de viver, que muitas vezes dão até a vida por isto, talvez signifique que valha a pena. Mesmo se, de início, pareça o contrário. Mesmo se a humanidade está drogada com suas próprias pretensas excelências, se é lenta para aprender, e se insiste em manter tão baixo o seu nível de consciência.

    Quem apresenta essas alternativas, que você chama "filosofias" (filosofia não é a idéia, é o processo das idéias, meu amigo), não está tentanto ensinar, nem "salvar" ninguém. Apenas partilha aquilo que percebe, simples assim. Mas, claro de nada adianta, se o interlocutor não tentar por si mesmo, não refletir, e ficar esperando, passivamente, por ensinamentos ou, vá lá que seja, por "filosofias"...
    Abração,

    Marco

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  3. *Desculpa postar essas idéias aqui. Pode apagar depois.*

    "...se a humanidade ... é lenta para aprender..."

    Acho que o conceito de humanidade é fictício ou temporal. Não vejo uma humanidade que aprende. Vejo uma humanidade que morre e renasce ignorante a cada geração. Ainda que a tecnologia e ciência avancem linearmente através dos tempos, a cultura mental e espiritual parecem reencarnar ignorantes sempre. Portanto, não acho que a humanidade seja "lenta para aprender". Ela simplesmente nasce burra a cada geração, e persiste ignorante pela sua própria natureza carnal ou mesmo espiritual.

    Mesmo que um Buda ou filho direto de Deus venha ensinar, 90% desse conhecimento parece perdido e abandonado, por falta de interessados em perpertuá-los. E até compreende-se isso, pois no final a ciência do lucro é sempre mais importante. É a ciência do lucro que sustenta o mundo e se torna mais importante para os ignorantes do que qualquer outra coisa. É, portanto, a ciência do lucro que sempre domina e prevalece sobre a cultura espiritual. Por essas e outras que a humanidade não é "lenta para aprender" ou evoluir espiritualmente. Ela simplesmente não evolui, porque a cada passo que dá para frente (graças a pessoas de bem ou espiritualizadas), a nova geração ignorante e preocupada com lucro dará incontáveis passos para trás. Se pelo menos os sábios não morressem aí sim haveria um progresso linear.

    Não procuro remédio para mim, e sim para essa paralítica humanidade que nunca vai para frente a não ser em direção à auto-destruição. Minha desilusão reside no fato de que profetas, gênios, budas e messias vieram e não atacaram o x da questão. Agente sabe mais do que ninguém que esses ensinamentos nunca mudarão o mundo. Se todos fossem iguais quanto a idéia de moral, caráter, moral, ou espiritualidade, aí a questão seria diferente. Mas esperar que um dia subitamente todos fiquem bonzinhos ou parecidos, além de ingenuidade, seria um tipo de xenofobismo enrustido semelhante às Cruzadas! É estranho pensar que justo a igreja tende a odiar mais da metade da humanidade em todas as gerações...

    O remédio pronto que preciso contra esse pessimismo seria uma ideologia ou filosofia de vida que faça mais sentido do que simplesmente evoluir egoisticamente através dos ensinamentos dos mais sábios. Mas no caso da humanidade isso não funcionaria, pois nem todo mundo se afeiçoa a ideologias iguais. Deste ângulo, vemos que não é a Humanidade que é "lenta para aprender", e sim o seleto público-alvo da sabedoria espiritual que, além de aprender vagarosamente, não tem tempo de aprender tudo e morre antes de perceber que seus valiosos aprendizados não tem valor real fora de seu grupo espiritual e muito menos como ferramenta para emancipar todo o mundo com suas diferentes faixas mentais e espirituais. E os novos integrantes apenas perpetuam esse ciclo do grupo como um relógio: O grupo anda, anda e anda, mas não sai do mesmo lugar.

    Eu vejo as ciências do mundo correndo a todo vapor ao nosso lado. Mas, para nós, que escolhemos o vagão da sabedoria espiritual, diga, você vê esse trem se mover? Eu tentei procurar o maquinista e não encontrei...

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  4. Não procure mais o maquinista, Leandro. A base da coisa é perceber que não há maquinista...

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  5. Concordo. O maquinista somos nozes. :P
    (Apesar de haver um dono do trem...)

    Pena que os cristãos esperam a volta de Jesus quando na verdade Jesus é que espera por eles...

    Apesar desse pessimismo ser meu, eu não vou desistir da humanidade. Então espero que não tenha te abalado muito...
    Peço que apague esses textos e faça segredo, pois não quero espalhar esse pessimismo por aí e piorar mais ainda a situação do mundo...
    Desculpa o incômodo e obrigado pela atenção. ^^"

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  6. Pra que apagar os seus textos, Leandro? Quem disse que, ao contrário do que você pensou, não foi VOCÊ que se deixou influenciar pelo pessimismo que já está espalhdo por aí?...

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