domingo, 1 de novembro de 2009

Bom-dia, mulher




                          Bom-dia, mulher.
                          Resgato-te da noite
                          de nobres falidos,
                          jovens cegos de paixão
                          & facas traiçoeiras
                          dos portos de Hong-Kong.

                          Faço-te testemunha
                          da doce violência
                          de tua própria vida,
                          parindo mutantes
                          em meio a tardes mornas de seda
                          vinho & amargura.

                          Nada do que conheces
                          me ficará oculto um dia.

                         Limpo minhas armas,
                         satisfeito na familiaridade
                         da tua nudez,
                         adentro os templos
                         transformado em mulher
                         & vejo-te homem
                         pouco antes de transmutarmo-nos
                         em criatura sem nome, forma
                         ou história.

                         Soa, precisa e fatal,
                         a hora de encontrar-te,
                         agonizante e ressurrecta,
                         abandonando roupas putrefatas
                         nas estradas.

                         Vestes, é certo,
                         o uniforme da mais-valia
                         dada pela opressão que inventa
                         uma irônica liberdade
                         da qual padecemos.

                         Mas, clandestina,
                         dão-te nas sombras
                         a palavra de passe da insurreição,
                         a vocação de mulher armada
                         & combatente no Deserto,
                         tomando de assalto, um dia,
                         as fábricas & o Reino.

                        Vagas nos bosques,
                         em busca de uma cabana,
                         mantas de pele de urso
                         & véus negros & sabres perdidos
                         nas dobras do tempo
                         & de tua consciência.

                         Mas tua presença é bailarina,
                         recebendo-me sôfrega
                         nos salões de delícia do Inferno,
                         adormecendo cansada de um dia de opressão,
                         nuvem translúcida
                         curando leprosos nos hospitais da Índia.

                         Anseio ver-te cega na Estrada de Damasco.

16 comentários:

  1. É tua a poesia?

    Muito legal!

    Postei uma poesia da Viviane Mosé muito legal lá no meu blog. Embaixo eu coloquei o áudio, depois dá uma olhada lá.

    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Sim, Guilherme, o poema é meu. Foi escrito já há muitos anos, para uma guerreira que amei muito, mas que desapareceu na poeira do tempo...

    Vi de relance o poema de Viviane Mosé e ainda não vi o vídeo. Vou voltar lá com mais calma, pra ver a ambos.

    Abraço fraterno,

    Mac

    ResponderExcluir
  3. Marco!

    Assisti um filme uma vez em que o pai, para incentivar o diálogo em família, pedia que cada um trouxesse algo que aprendeu durante o dia para contar na hora do jantar.
    Então, no jantar de hoje já tenho minha pérola pra dividir: Saulo de Tarso e a estrada de Damasco.

    Bjs

    Luciene

    ResponderExcluir
  4. Lembro-me de que, na época em que escrevi o poema, algumas pessoas estranhavam o verso final. Achavam-no agressivo e cruel. Não associavam ao episódio de Saulo, na Estrada de Damasco. É o melhor que eu poderia desejar à minha amada...

    Beijosssss,

    Marco

    ResponderExcluir
  5. Oi Mac

    como assim o melhor que você poderia desejar a ela? gostaria de ve-la frágil e necessitando de você?

    não entendi.


    bjs mil

    ResponderExcluir
  6. Oi, Clê,

    Em que ponto você a vê frágil e necessitando de mim?

    Beijosss,

    Marco

    ResponderExcluir
  7. Infelizmente desta vez não poderei opinar.. Esse poema é complexo demais para mim, haha.. Preciso viver um pouco mais para compreendê-lo. Mas, é uma bela imagem, esta que inicia o poema, de Audrey Hepburn como guerrilheira.

    Beijoss
    Ísis

    ResponderExcluir
  8. Essa imagem é mesmo a melhor que pude obter para ilustrar "Bom-dia, mulher". Casa bem a beleza e a feminilidade de Hepburn, com a força e a coragem da guerrilheira. E é aí que o poema se torna menos complexo do que poderia parecer à primeira vista. Você não precisa entendê-lo, Isis. Basta vivê-lo, senti-lo.

    Beijosssss,

    Marco

    ResponderExcluir
  9. Marco

    Me corrija por favor.
    O que entendi foi que a mulher amada era uma guerreira equivocada, que travava uma luta inútil em sua vida baseada em princípios ilusórios.
    E no meio dessa batalha da vida dela aparece o homem que, enxergando tudo isso, deseja que ela finalmente desperte diante de toda ilusão de sua vida de guerreira e enxergue finalmente a verdadeira luz.

    Viajei? rs

    Bjs

    Luciene

    ResponderExcluir
  10. Oi, Luciene,
    Exatamente. O poeta aqui NÃO é o causador da revolução interior da amada. Ele participa de seu despertar, quando a resgata de “nobres falidos, jovens cegos de paixão e facas traiçoeiras dos portos de hong-kong”. E acompanha o processo de despertar dela, e, de certa forma, participa disto. Alguém, ou alguma coisa (não é ele, o sujeito é indefinido), transmite a ela a “palavra de passe da insurreição, a vocação de mulher armada e combatente no deserto”. Ele apenas está com ela, luta com ela e torce por ela. Ama-a intensamente e anseia para que ela fique “cega na Estrada de Damasco”. Acho que você pegou bem o ethos do poeta.
    Beijossss,
    Marco

    ResponderExcluir
  11. Sei lá, você a descreve como uma mulher tão forte, tão livre (me corrija se eu estiver errada) e depois ansiando por vê-la cega na estrada de Damasco, se associarmos a Paulo de Tarso, acredito que assim que ele ficou depois do tal encontro, frágil, necessitando de ajuda, entendi que ao menos uma vez, você gostaria de ter ela ao seu lado simplesmente humana, após um encontro, talvez consigo mesma, necessitando de cuidados...
    Não foi isso???

    ResponderExcluir
  12. Oi, Cleo,
    Pode ser, sim, que você esteja certa. Eu não me sinto muito “dono” do poema, apesar de tê-lo escrito. De forma que penso que poemas tornam-se aquilo que as pessoas sentem a respeito deles. Acabam, então, tendo várias leituras, à medida em que a personna do poeta (não o poeta ele mesmo, necessariamente) acaba sendo o que os leitores sentem.
    Mas na minha própria leitura, há diferentes momentos da mulher do poema. O primeiro, nas duas primeiras estrofes. O passado dela, do qual o poeta a resgatou. O segundo, na quinta estrofe, em que eles se encontraram e se amam. O terceiro, nas sexta, sétima, oitava e nona estrofes, onde o poeta a vê transformar-se, transmutar-se, enquanto ambos continuam a se amar. E o quarto, na décima estrofe, em que o poeta anseia pela iluminação da amada.
    Então, ela está se fragilizando porque está vivendo uma morte, uma morte espiritual, da qual renascerá luminosa, e não porque esteja fraca realmente. Sob um certo ponto de vista, é ela, na verdade, quem o fortalece.
    Beijosssss,
    Marco

    ResponderExcluir
  13. Então pode ser que eu a vi fragilizada porque na verdade eu é que estou????

    bjs

    (gostei disso)

    ResponderExcluir
  14. Bem, fragilizada ela está, Cleo. Mas essa fragilidade é parte de um processo, de uma "morte" necessária a um renascimento. É crescimento. Você a vê fragilizada porque ela está realmente fragilizada. Mas você pode estar associando a fragilidade dela à sua própria, sim. Claro. Resta saber se a sua é fragilidade pura e simples, ou também, como a dela, parte de um processo de transmutação. Mas aí, como disse-me uma vez um cavaleiro, "são o segredo e o mistério de cada um".

    Beijosssss,

    Marco

    ResponderExcluir
  15. Marco, saudade dos seus posts...

    Bjs

    Luciene

    ResponderExcluir
  16. Aqui ou lá? Bem, tô meio no corre-corre, mas volto logo logo. Tanto praqui, quanto pra abrir as asas, finalmente, no Lado Bruxo.

    Beijosssss,

    Marco

    ResponderExcluir